Quantcast
Channel: Blog de Santo Afonso
Viewing all articles
Browse latest Browse all 11716

O problema do lixo oferece boa ocasião para reflexão sobre o modo de vida do atual sistema

$
0
0
Lixo


O problema do lixo oferece boa ocasião para reflexão sobre o modo de vida do atual sistema (Foto: Reprodução)
À medida que a sociedade mergulha no consumismo, o lixo torna-se problemático. As montanhas de coisas usadas e jogadas fora crescem. Cabe ao poder público encarar o desafio de reciclar o lixo. Os lixões transformaram-se em focos de infecção, de degradação da natureza. A legislação, ao bani-lo, protege a saúde dos habitantes e o meio ambiente. Esbarra-se, porém, com a situação social dos catadores que encontram nele o meio de sustentar-se.

Abre-se para o Estado a obrigação de prover-lhes outra maneira de procurar-se os bens para a vida. Ter de viver à custa do lixo dos outros revela já distorção social que clama por solução. A higiene e a saúde das pessoas exigem que lhes deem ocasião de viver dignamente. Basta vontade política para resolver tal problema.

O problema do lixo oferece boa ocasião para reflexão sobre o modo de vida do atual sistema. Ele funciona à custa de constante crescimento de produção e consumo. Não se pergunta se necessitamos dos bens produzidos. Estes respondem a outra dinâmica. Apelam pelo desejo. E o ser humano deseja infinitamente. Portanto, o jogo entre produção e consumo nunca satisfará o coração humano.

A sociedade tem condições de satisfazer-nos bem as necessidades básicas com certa facilidade. Há recursos e tecnologia para tanto. Contudo, não paramos nesse limiar. Ampliamos cada vez mais a margem dos bens desejáveis que lentamente se tornam necessários de tal modo que dificilmente na atual maneira de viver os distinguimos. Sem dar-nos conta passamos do setor do desejo para o da necessidade.

Quem hoje teria coragem de dizer que o celular pertence ao mundo do supérfluo? Tornou-se necessário para todas as camadas sociais. E a tecnologia não se contentou simplesmente com a função telefônica. Hoje ele contém inúmeras funções que ultrapassam as possibilidades de uso da maioria das pessoas. E por quê?

O fato de aquele aparelhinho esconder mistérios inexplorados seduz-nos. Portanto, o consumismo pertence antes ao mundo da cultura e da fantasia que o das necessidades imediatas de vida. E a cultura com dose de imaginação amplia-se indefinidamente.

O crescimento gigantesco do lixo está a pedir-nos revisão dos comportamentos culturais que criamos. Já há movimentos sociais que visam a conscientizar as pessoas para vida simples, sóbria, humana, sem esbanjamento.

Tudo começa na infância. O tema lixo, desperdício, consumismo, sofreguidão de gastar merecem entrar na agenda diária das famílias e das escolas. Se a criança aprender a economizar e a domar os próprios desejos insaciáveis de bens materiais em troca do valor da convivência, da amizade, do cuidado consigo, com as pessoas, com a natureza, esperamos ter amanhã maneira humana de viver.

O lixo, que parece tema desprezível, por ser lixo, contém dentro de si problemas que afetam a saúde, a vida social, a cultura atual. Serve de ponto de partida para educação que levanta perguntas intrigantes: quem produz mais lixo? Onde se joga o lixo? Como se trata o lixo? Como criar uma cultura que dome a sede consumista e indomável em vista de vida simples, singela e humana? Aí ficam as perguntas.

Já tinha escrito o artigo e eis que vivemos momentos de turbulência mobilizadora. Não se fala nos protestos do lixo. Mereceria também ser agenda de protesto contra a política dominante que exaspera o consumismo imediato sem resolver os problemas estruturais graves.

João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.

Viewing all articles
Browse latest Browse all 11716